quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Cartas de Barbosa Lessa


Para xxx:
Na fundação do primeiro CTG, o 35, nós eramos 24  rapazes. Hoje somos milhões de rapazes, moças, prendinhas e piás. O tradicionalismo cresceu assombrosamente, por isso a sensação de perda de rumos. Mas ainda vai crescer mais, ao longo do terceiro milênio. Bem ou mau, nossa força continua sendo a cordialidade e o nosso símbolo é o fogo de chão. Algumas dicas: que a sede de CTG apresente, ao lado do belo salão de baile, um rústico fogo de galpão. Que os conjuntos de fandango também aprendam, para apresentar, as danças tradicionalistas, que serão dançadas à maneira de cada um, de modo a voltarem para o patrimônio campeiro e deixem de ser privativos das invernadas artísticas. Que o barulhão das caixas de som deixe de afugentar os menos jovens; para tanto, que neste mês o fandango seja de som estridente mas que no mês que vem o conjunto toque em som normal que permita a proza entre amigos e própria conversa entre os namorados; ou que num mesmo fandago, duas horas sejam um som estridente e uma hora em som normal. Que o sul-riograndense voltem a ser chamados rio-grandenses e a palavra gaúcho volte a significar o campero de qualquer estado, dotado de alma forte e coração sereno, cordial ao extremo. Que o teu folhetim AMANHECEU PONCHO VERDE valorize a figura histórica do tropeiro, que interligou o pampa à Santa Catarina Paraná, Sorocaba e Vale do Paraíba, e que seja conscientizado o culto à cordialidade. Felicidades!
Barbosa Lessa





A TCHÊ MUSIC é uma decorrência do "barulhismo" eletrônico que veio a imperar nos fandangos e nos shows nativistas. Se alguém aprecia isto, é válido abrir novos caminhos. Mas considero importante, também, retornar alternadamente a música campeira que havia antes, bem mais comedida nos decibels e que contava com tantos apreciandores. Esses próprios conjuntos mais prafrentex deveriam incluir em seu repertório a chimarrita, o pézinho, o anu e demais danças,  para que no fandango também pudesse cada par dançar à sua maneira, sem o policiamento dos "coreógrafos" de plantão. Que os conjuntos se desdobrem no atendimentos às variadas opções do público, sim: mas sem impor ditatorialmente a "tchê music" como única expressão permitida. Deixem-me assobiar, si este for o seu gosto. Estimo que a professora xxx aprove entusiasticamente o seu trabalho.
Um abraço do Barbosa Lessa.




*Essas cartas compõem o acervo do autor, sediado no Forte Zeca Netto no município de Camaquã.

Algumas poesias...

Poesia

Há muita gente que procura a poesia na rima
quando ele está é na vida.
Há muita gente que procura a vida fora,
quando ela está é dentro da gente.
Há muita gente que olha para dentro
como se a gente fosse um bloco monolítico,
quando na verdade se é um mundo de atomozinhos.
Moléculas que podem ficar girando uma vida inteira
sem se encontrarem com a vida,
Exatamente por falta de poesia...


Barbosa Lessa (2005, p. 52)




O lazer

Era mui pouco o lazer
para o homem da campanha:
ir na venda tomar canha
ou só prosear no galpão.
O maior divertimento
era ter carreiramento
 - ou fazer revolução.

Agora há os festivais
de música nativista,
onde o peão vira artista
enquanto a cordeona chora.
Ou se vai a um rodeio
para ver corcoveando feio
um bagual riscando a espora.

Mas no clima de festança, 
o melhor que ainda se vê
é um baile de CTG
cultuando a tradição.
Com o CTG entra em cena
a gauchinha morena 
- meio apartada até então.

Foi a boa troca trocar
toda máscula legenda
pelo convívio com a prenda,
que trouxe um novo valor:
o delicado carinho
que abre, ao moço, o caminho
para a grandeza do amor.


 Barbosa Lessa (2005, p. 48)




Vale demonstrar amor
até a disco voador
se algum pousar no galpão,
nada de medo ou aflição:
com a firmeza de quem crê,
a gente brinda o E.T.
com a cuia do chimarrão!


 Barbosa Lessa (2005, p. 93)




BARBOSA LESSA, Luiz Carlos. Antologia pessoal. Porto Alegre: Alcance, 2005.



Palavras do autor...

1)      Eu sou um homem... bem ou mal, uma pessoa realizada. Eu me realizei escrevendo. Se a minha máquina mecânica pifar o teclado amanhã, eu não vou ficar frustrado porque não posso escrever mais. O que eu tinha que escrever eu já escrevi.

2)      O primeiro livro... O primeiro livro impresso, editado, encadernado, lançado, distribuído, vendido foi uma coletânea que eu fiz quando nós fundamos o CTG 35. Estava ignorada a nossa tradição, a nossa literatura voltada pra tradição, e eu fiz uma analogia: As Mais Belas Poesias Gauchescas.


3)      Quando guri... Tinha como companheira sua máquina de escrever, que por onde quer que se mudasse levaria consigo esse inseparável complemento de sua própria personalidade.

4)      Um desafio... Me senti desafiado a atingir o público com algo mais moderno, entre aspas, e toquei sem nenhuma inibição um romance policial, não sei se o resultado foi positivo ou negativo, mas acho que, pela recepção que teve por parte do público e da crítica, foi positivo.


5)      A criação do primeiro CTG foi... sonhar mais alto, e coletando assinaturas de quem quisesse fazer parte dessa fundação de um clube de Tradições Gaúchas que em abril de 1948, meia dúzia de jovens deram inicio ao pioneiro 35 – Centro de Tradições Gaúchas (CTG)


6)      Descobri as danças gaúchas... quando fascinado pela beleza das danças regionais do Prata.


7)      Em São Paulo ... Foi desafiado pelo cinema e pela televisão e havia de achar tempo para manter a comunicação com os companheiros do Tradicionalismo.

8)      Quando trabalhei em marketing... Começava a explorar um novo campo, mais promissor, chamado mundo publicitário.


 Tamires Martins
Referências:
BARBOSA LESSA, Luiz Carlos. Prezado amigo fulano: meio século de correspondência, de 1950 a 2000. Porto Alegre: Alcance, 2005.

BARBOSA LESSA, Luiz Carlos. Antologia pessoal. Porto Alegre: Alcance, 2005.



Barbosa Lessa: da invernada à pesquisa


            Olá, leitores! Eu sou Larissa, tenho 18 anos e vou contar um pouco a respeito de minha visão sobre o aprendizado ao participar de uma pesquisa e também sobre minha relação com o Barbosa Lessa.
            Inicialmente, gostaria de explicar como eu comecei a estudar o escritor Barbosa Lessa... Bom, sou bolsista do IFSUL  e ser bolsista é, no meu caso, ter um trabalho de estudo, pesquisa, como muitos gostam de definir “receber para estudar”. Para ser bolsista de um projeto, passei por uma seleção pelas notas, com prova escrita e também  por uma entrevista.
            Antes de ser gratificada com essa bolsa, concorri para outras, que não fui selecionada e, após inscrição para todas as bolsas, sempre me questionei “no que vou trabalhar?” “como deve ser passar por essa experiência de iniciação científica tão cedo?”. Para a seleção da bolsa Organização do acervo de Barbosa Lessa: a valorização do legado daquele que reinventou a nossa memória pensei, primeiramente, no que eu sabia sobre acervo literário, logo veio na minha memória as palavras “livros, papéis”. Em seguida, pensei no escritor Barbosa Lessa e imediatamente surgiu a sigla “CTG”, continuei pensando e lembrei da minha infância, época de invernada, mais ou menos no ano de 1999, pois foi quando conheci Barbosa Lessa, Paixão Côrtes, Elmo de Freitas, entre outras figuras importantes para o Rio Grande do Sul.
            Continuei pensando, tentando lembrar mais sobre esse dia... Foi inútil, lembro pouquíssimo dessa época – e com razão – mas ainda me recordava do rosto simpático daquele senhor, Barbosa Lessa! Foi a única vez que o vi pessoalmente. E, após ver que tudo que eu sabia sobre o projeto que eu tinha me inscrito eram palavras soltas, decidi ler informações na internet, como a biografia (de forma sucinta) de Barbosa Lessa e, assim, comecei a estudar o trabalho e vida de Barbosa Lessa.
            A seleção foi em dezembro de 2011, e o trabalho foi iniciado nos primeiros meses de 2012, aos meus 16 anos. Os primeiros dias de trabalho com a professora Carla Vianna como orientadora, bem como com o acervo literário foram algo diferente, pois tudo era muito novo (trabalho com pesquisa, bolsa, acervo), também é válido ressaltar que                                                                                                                                                                                                                 o IFSUL era novo em Camaquã e na região, e eu moro nos arredores, em Arambaré. Até então, o meu contato com o mundo da pesquisa se resumia às conversas com familiares que estudam em universidades federais.
            Leituras de livros, leituras de textos no acervo, sorrisos, conversas, mais leituras, relatórios, mais sorrisos, mais alegrias e de volta a leituras de livros... Assim passavam-se as semanas, porém, às vezes com dificuldades, como a falta de tempo e a dificuldade de ler as anotações manuscritas do Barbosa.             Cada dia que se passava, ganhávamos mais intimidade com o Barbosa Lessa, pois líamos os livros, as anotações, os jornais que ele guardava por encontrar algum texto interessante e também algumas cartas dele.
            Se no dia que me inscrevi para fazer a seleção da bolsa eu relacionava Barbosa Lessa com a palavra “CTG”, no decorrer de 2012, eu comecei a relacionar com diversos assuntos, uma vez que, além de ser um dos fundadores do primeiro Centro de Tradições Gaúchas, o CTG 35, Barbosa Lessa estudou a história do Rio Grande do Sul, desde as Missões Jesuítas, também estudou o folclore de outros estados do Brasil, foi jornalista, trabalhou com publicidade, foi músico, publicou aproximadamente 70 livros – não apenas de romances gaúchos, mas também livros relacionados com a história do Rio Grande de Sul e, até mesmo, um romance policial -. Barbosa Lessa também tinha interesse por ecologia, pois no seu acervo há ainda documentos de estudo relacionados com energias alternativas e texto sobre biodigestor (antes mesmo de biodigestor ter essa nomenclatura).
            Enfim, Barbosa Lessa foi um importante estudioso para a história do Rio Grande do Sul, mas é importante ressaltar que essa importância vai além de ele ter sido um dos fundadores do primeiro CTG e ter criado, ao lado de Paixão Côrtes, o manual de danças gaúchas. Ele foi um intelectual que atuou em diversas áreas do conhecimento e, infelizmente, hoje seu legado não é muito conhecido pelos jovens. Deste modo, o blog foi feito para ressaltar a importância de um do “20 gaúchos de marcaram o séc. XX” (eleito em 2000).

Larissa Longaray Machado

Barbosa Lessa: um autor & vários papéis

Por que publicar um blog sobre Barbosa Lessa? A nossa apresentação inicia, de antemão, respondendo a essa questão. Caso alguém pergunte o porquê desse blog, anunciamos, de saída, que ele se justifica pela necessidade de compartilhamento de conhecimentos sobre um dos responsáveis pela construção da memória rio-grandense tal qual a conhecemos hoje. Sem o trabalho de Barbosa Lessa e Paixão Côrtes, a memória histórica e cultural dos gaúchos teria outra feição. Por isso, o nosso blog visa socializar parte do que foi pesquisado na obra e no acervo desse importante autor gaúcho entre 2012 e 2013, período no qual foram desenvolvidos dois projetos de pesquisas dedicados ao estudo do acervo de Barbosa Lessa: “Organização do acervo de Barbosa Lessa: a valorização do legado daquele que reinventou a nossa memória” (2012) e “O autor em seus papéis: estudo do acervo de Barbosa Lessa” (2013).
Barbosa Lessa registrou seu nome na história cultural do Rio Grande do Sul por ter sido um dos idealizadores do primeiro CTG em 1948, mas também por ter, em parceria com Paixão Côrtes, empreendido uma compilação das danças gauchescas na célebre publicação Manual de danças gaúchas, publicada pela primeira vez em 1956, obra resultante de uma pesquisa de campo realizada no interior do Uruguai e do Rio Grande do Sul por esses dois entusiastas das tradições rio-grandenses. Podemos considerar que Barbosa Lessa também entrou para a história das letras gaúchas por ter escrito um romance premiado pela Academia Brasileira de Letras, Os guaxos (1959), ou ainda por ter trazido a público um livro de contos, como O boi das aspas de ouro (1958). Talvez ele seja reconhecido como um dos grandes nomes da nossa história cultural pelo trabalho realizado com as lendas e o cancioneiro popular do estado mais ao sul do Brasil. Tudo isso e mais uma dezena de motivos justificam que consideremos Luiz Carlos Barbosa Lessa como um dos nomes fundamentais para o delineamento da trajetória cultural e intelectual dos gaúchos.
Barbosa Lessa nasceu em Piratini, morou em Pelotas, Porto Alegre, São Paulo, andou pelo mundo e fixou residência em Camaquã, onde veio a falecer em março de 2002.  Mais de dez anos após a morte de Barbosa Lessa, seu nome ainda continua ─ e continuará ─ ressoando na vida cultural do Rio Grande do Sul. Isso porque o legado formado pelas suas publicações abrange as mais diversas esferas da vida cultural da  sociedade rio-grandense, bem como os seus estudos extrapolam as páginas dos livros, assumindo espaço na vida cotidiana das pessoas seja pela prática de uma dança ou por uma cantiga entoada.
A trajetória de Barbosa Lessa foi multifacetada e repleta de acontecimentos que são determinantes para a compreensão de sua vida como intelectual. E tudo isso está contado nas mais de duzentas pastas com documentos e papéis das mais diferentes espécies que fazem parte do acervo do escritor, situado no Forte Zeca Netto, sob a guarda da prefeitura municipal de Camaquã. O legado é vasto, segundo o depoimento do próprio autor:
A vida, agora, já está cumprida. Cumprida com “u” e comprida com “o”. No comprimento dela, em muita coisa me envolvi. Acho que em todos os gêneros de comunicação, bem ou mal, eu fui levado a me experimentar. Não há um setor de comunicação que eu não tenha participado e com isso torna-se muito volumoso o acervo de trabalhos na área de literatura e eu não sei até que ponto a quantidade prejudicou ou propiciou também uma melhor qualidade. Mas o que eu tinha vontade de fazer e, em alguns instantes, sentia uma forte necessidade de fazer aquilo, eu fiz. Nada ficou faltando. Eu sou, bem ou mal, uma pessoa realizada. Eu me realizei escrevendo. Se a minha máquina mecânica pifar o teclado amanhã, eu não vou ficar frustrado porque não posso escrever mais. O que eu tinha que escrever, eu já escrevi. ( BARBOSA LESSA, 2005, p.5)

   Luiz Carlos Barbosa Lessa foi, portanto, um autor que “se experimentou” nos diversos setores de comunicação, escrevendo, entre uma atividade e outra, seja como publicitário ou como homem público, muitas obras, que podem ser estudadas pelas mais diversas áreas do conhecimento. Ou seja, há ainda um caminho a ser percorrido pela fortuna crítica da obra de Barbosa Lessa e o nosso blog visa, ainda que modestamente, colaborar nessa empreitada.


Carla Vianna

Referência:

BARBOSA LESSA, Luiz Carlos. Prezado amigo fulano: meio século de correspondência, de 1950 a 2000. Porto Alegre: Alcance, 2005.